Saúde mental dos profissionais deve preocupar empresas

Investigadora pede mais literacia em relação ao assédio no trabalho.

Maio 16, 2024

A saúde mental, a cultura das organizações, como a ética e os valores, e o compromisso com a liderança são as dimensões que revelam maior risco para um ambiente de trabalho saudável, segundo um estudo hoje divulgado.

Esta análise do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (LABPATS), que envolveu mais de 4.300 participantes, concluiu que a cultura das organizações é a dimensão que mais condiciona o ambiente de trabalho saudável, com os especialistas a sublinharem que a preocupação com o bem-estar e a saúde dos profissionais e da organização “deve estar no “ADN”” das empresas.

“O que temos notado é que, muitas vezes, há uma imagem externa de bem-estar, porque hoje em dia a questão do bem-estar e da saúde mental acaba por estar na moda, e as organizações, se forem questionadas, respondem que isso é algo importante (…). Mas, depois, nos planos estratégicos e na cultura passada às novas lideranças e aos novos profissionais isso não está plasmado”, explicou a coordenadora do estudo, Tânia Gaspar de Matos.

A psicóloga, fundadora do LABPATS, sublinhou: “É fundamental que efetivamente nas várias políticas [das organizações], desde a seleção de pessoas, à integração e à escolha dos próprios líderes, tudo tem de ser transmitido de forma muito clara”.

Quanto à cultura das organizações, aponta como fundamentais para o bem-estar dos profissionais a perceção de segurança e de justiça: “É importante o trabalhador sentir que está seguro e que pode participar, que pode dar a sua opinião, que tem canais claros e transparentes para isso e que tem confiança para tal, sem achar que pode ser prejudicado”.

A investigadora reconheceu que as organizações “acabam por ter muita dificuldade em implementar estas medidas, porque a maior parte anda preocupada a responder às necessidades imediatas”.

Defendendo a necessidade de as organizações terem uma visão mais estratégica do seu funcionamento, Tânia Gaspar de Matos preconiza que “deveriam ter dois tipos de líderes”: “Um que estivesse mais ligado à parte operacional do dia a dia, que é importante (…) e outro que tivesse mais uma visão estratégica, que conseguisse ter uma visão global de toda a organização e tivesse tempo para olhar para estes detalhes e fazer um plano para que a mensagem da saúde mental e do bem-estar passasse de forma clara a todos os colaboradores, com grande foco nas lideranças”.

A especialista sublinhou igualmente que, segundo os dados recolhidos, “as organizações da administração pública têm piores resultados do que as organizações privadas”.

“Há aqui uma dinâmica na administração pública que dificulta a implementação de novas medidas. Esta visão de que nós temos que parar, olhar e alterar aquilo que tem que ser alterado, há muita dificuldade [de o fazer] na administração pública”, disse.

Segundo os dados do estudo do LABPATS, apesar de ligeiramente inferior, os dados relativos à saúde mental continuam preocupantes: três em cada quatro (76%) profissionais apresentam pelo menos um sintoma de “burnout” e quase metade (48%) manifesta três sintomas (exaustão, irritabilidade e tristeza).

Mais de metade dos profissionais refere que não tem as competências necessárias para gerir as situações de “stress”, tais como a perceção de controlo e a confiança nas suas capacidades, e mais de um terço tem comportamentos de saúde pouco saudáveis.

Quase metade (46%) não pratica exercício físico e 35% tem maus hábitos de sono. Há ainda cerca de 25% que toma medicamentos psicotrópicos.

São as mulheres que revelam um maior risco no que se refere à saúde mental. Elas são quem manifesta maior envolvimento, mas também quem se mostra menos assertivas quanto às suas necessidades.

Num ambiente de trabalho saudável, o que os profissionais mais valorizam é a autonomia, a flexibilidade (conciliação), a transparência e a existência de “lideranças próximas e justas” que valorizem o seu trabalho e promovam o desenvolvimento de carreira.

A preocupação com a saúde mental e as atividades de promoção de bem-estar e de relações interpessoais positivas entre colegas são igualmente valorizadas.

O Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis estuda de forma aprofundada e sistemática a saúde e o bem-estar dos profissionais e das organizações, contribuindo para a intervenção e definição de políticas nestas duas áreas.

Investigadora pede mais literacia em relação ao assédio no trabalho

A coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (LABPATS) defendeu hoje a necessidade de mais literacia em relação ao assédio no local de trabalho, lembrando que é um problema que afeta quase um em cada cinco trabalhadores.

“Custa muito dizer isto, mas ainda temos uma percentagem entre os 17% e os 19% de casos em que as pessoas dizem que foram alvo de ameaça ou de outra forma de abuso, físico ou psicológico, com insultos, ou que foram postas de lado. É muito”, afirmou Tânia Gaspar de Matos, que coordenou o estudo que será hoje apresentado sobre ambientes de trabalho saudáveis.

A investigadora disse que falta literacia sobre o assédio no local de trabalho e exemplificou: “Quando devolvo estes dados às organizações, elas ficam sempre admiradas”.

“Tem a ver também com literacia, é uma questão cultural. Às vezes as pessoas dizem: “tem aquele feitio”. Mas não pode ser”, constatou, referindo que, felizmente, as gerações mais novas “não estão para isto”.

A psicóloga disse que as mulheres são mais afetadas pelo assédio no local de trabalho e afirmou que, muitas vezes, a vítima “ainda fica com dúvidas sobre se está a interpretar bem”.

Insiste na importância de ensinar o que é o assédio, como se pode manifestar e que consequências tem para a saúde mental das pessoas.

“Nas escolas, começou a falar-se mais de bullying e a coisa melhorou (…). Se não tivéssemos feito esse caminho [de falar sobre bullying] isto não tinha acontecido”, exemplificou.

Tânia Gaspar de Matos referiu que quem sofre de assédio, muitas vezes, “não faz queixa porque acha que [a queixa] vai ficar numa gaveta, ou que ainda ficará prejudicada” e defendeu a existência de um canal de denúncias, “transparente e externo à empresa”, para que a pessoa “tenha segurança” no processo.

“Mesmo quando a queixa vai para a frente e a organização aceita, há outro problema jurídico: ou não há testemunhas, ou tem de se provar o assédio, o que não é fácil”, acrescentou.

A psicóloga disse que “existe um perfil de vítima”, sublinhando que as pessoas mais assertivas estão menos expostas ao risco.

“É preciso promover competências nas pessoas para serem mais assertivas e terem mais confiança, ganhando ferramentas para combater estas situações”, defendeu.

O assédio pode envolver ações ou comentários intencionais, ofensivos e repetidos destinados a rebaixar deliberadamente a vítima ou a causar humilhação pessoal e, por vezes, também pode incluir isolamento social e exclusão intencional, críticas constantes e desproporcionais, controle excessivo ou até mesmo ameaças de demissão ou outras represálias, explicou.

Esclareceu que o assédio moral pode ser ascendente (do subordinado para o superior hierárquico) ou descendente, entre colegas ou organizacional, que é o que ocorre quando a cultura, as políticas e as práticas de uma organização promovem ou toleram comportamentos abusivos e discriminatórios.

O assédio moral no local de trabalho “afeta a saúde mental e o bem-estar dos profissionais numa perspetiva biopsicossocial”, disse, referindo que pode provocar sentimentos de ansiedade excessiva e “stress negativo” provocado por uma perceção de falta de controlo ou incapacidade de lidar com determinada situação.

Pode igualmente levar a situações de dificuldades de concentração e memória, distúrbios do sono, sintomas de tristeza ou depressão, mais ou menos graves, assim como de esgotamento físico e mental (“burnout”) e, em casos extremos, pensamentos suicidas.

As mulheres, os trabalhadores com menor escolaridade, os profissionais com doença crónica, da função pública, pertencentes às gerações X (43 a 59 anos) e Y (29 aos 44 anos) e os que trabalham em organizações maiores são os que estão em maior risco.

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