As juízas desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira deram razão em quase toda a linha ao MP no seu recurso da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa.
O Tribunal da Relação de Lisboa sobre a Operação Marquês seguiu o “caminho do dinheiro” até José Sócrates e concluiu que os 34 milhões de euros em contas do amigo Carlos Santos Silva na Suíça pertenciam ao ex-primeiro-ministro.
“O caminho do dinheiro leva-nos ao arguido José Sócrates”, lê-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) divulgado na quinta-feira, que determinou a ida a julgamento do antigo governante (e de outros 21 arguidos) por corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, acrescentando: “Da prova documental existente nos autos e das declarações referidas, parece-nos evidente – o montante de Euro33.972.500 pertence ao arguido Sócrates”.
As juízas desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira deram razão em quase toda a linha ao Ministério Público (MP) no seu recurso da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, que, em 09 de abril de 2021, tinha desmontado a acusação, ao deixar cair 172 dos 189 crimes.
Para o coletivo de juízas, “os indícios são fortíssimos” e “de tal modo evidentes” que não tiveram dúvidas em afirmar que o dinheiro pertencia a José Sócrates.
Ao longo do acórdão de 684 páginas, o coletivo de juízas enumerou algumas despesas do ex-primeiro-ministro, sobressaindo um volume superior a um milhão de euros entre junho de 2011 e setembro de 2014 ou compras únicas de roupa de mais de 10 mil euros.
Indicaram ainda que o ex-primeiro-ministro “perdia frequentemente a noção do que gastava” e não tinha controlo efetivo sobre as suas despesas.
“Como é possível ao arguido Sócrates proceder ao pagamento destas despesas (…) de milhões de euros? Usando o dinheiro que, embora formalmente estivesse em contas tituladas pelo arguido Santos Silva, lhe pertencia. (…) Ninguém gasta milhões que não lhe pertençam”, lê-se na decisão, que sublinha que “o modo como o arguido Sócrates dispunha do dinheiro é um indício fortíssimo de que, além daquele, existiria mais”.
Entre os exemplos apontados pelo acórdão, recuperando a acusação do MP, estão as entregas em dinheiro, mas também a compra de um apartamento em Paris, a aquisição de obras de arte por José Sócrates através de Carlos Santos Silva ou o pagamento a algumas pessoas através de contratos com sociedades controladas por alegados “testas de ferro”.
“Qual o motivo que justifica que a verdadeira propriedade do dinheiro não possa ser revelada e que leve à utilização de várias manobras de branqueamento referidas na acusação? Esta pergunta só pode ter uma única resposta — o dinheiro não tem uma origem lícita”, concluíram também as juízas desembargadoras, deixando ainda críticas à conduta do ex-primeiro-ministro neste processo e à sua argumentação relativamente à acusação do MP.
“O arguido tem uma postura em tribunal coincidente com a de alguém que conforma a sua vida segundo a sua própria vontade e visão. O arguido faz um relato da sua vida desajustado da realidade. Faz afirmações sem o mínimo de credibilidade, razoabilidade… mas de um modo tal que parece colocar em causa a inteligência de quem o inquire”, frisaram.
O acórdão desta quinta-feira do TRL sobre o processo Operação Marquês, desencadeado em 2014, decidiu a ida a julgamento de José Sócrates por um total de 22 crimes, designadamente: três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político para atos ilícitos, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada.
Em causa estão negócios com o grupo Lena, o seu envolvimento em negócios da Portugal Telecom e do Grupo Espírito Santo (GES), e alegados atos praticados em relação ao empreendimento de luxo Vale do Lobo, no Algarve.