Marcelo Rebelo de Sousa tem dúvidas sobre a transparência do processo e a capacidade de aplicação do novo mapa.
O Presidente da República vetou hoje o decreto do parlamento que desagrega 135 uniões de freguesias, repondo 302 destas autarquias locais, colocando dúvidas sobre a transparência do processo e a capacidade de aplicação do novo mapa.
Segundo uma nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa questiona “a capacidade para aplicar as consequências do novo mapa já às eleições autárquicas de setembro ou outubro deste ano, daqui a pouco mais de seis meses” e afirma que esta foi a questão “decisiva” para o seu veto.
O chefe de Estado aponta “a falta de compreensão ou transparência pública do processo legislativo” e considera que a desagregação de freguesias determinada por este decreto — subscrito por PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN, que teve votos contra da IL e a abstenção do Chega — é “contraditória com a linha dominante, inspirada pelas instituições europeias”.
Na sua opinião, o processo legislativo provoca “falta de compreensão” e de “transparência pública” pelos “seus avanços e recuos, as suas contradições, as hesitações e sucessivas posições partidárias, a inclusão e a exclusão de freguesias, e, sobretudo, o respeito rigoroso dos requisitos técnico-legais a preencher”.
“Assim, o Presidente da República solicita à Assembleia da República que pondere, uma vez mais, a praticabilidade da aplicação do mencionado diploma no horizonte deste ano eleitoral de 2025”, lê-se na nota.
Na mensagem dirigida à Assembleia da República sobre este veto, também publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa realça que o parlamento pode confirmar o decreto aprovado em 17 de janeiro.
“Compete à Assembleia da República se tal o entender, reafirmar a sua vontade. Assim confirmando aos portugueses que se não tratou de solução ditada por razões ou conveniências conjunturais, antes exprime o resultado de uma longa e serena ponderação, que ditou a inclusão de umas e a exclusão de outras freguesias, numa linha de não só reverter uma política de fundo de 2013, como substituí-la por outra melhor para Portugal”, afirma.
Nessa mensagem, começa por referir que esta desagregação implica “uma reversão — para alguns um grave retrocesso –, num caminho de reordenamento e de racionalização do poder local, assim questionando a essência da reforma de 2013”.
Esta revisão “cobre apenas menos de um terço das agregações de 2013 e não toca nas entidades supramunicipais” e foi apoiada por uma maioria “muito mais representativa do que a de 2013, só se opondo um partido — a Iniciativa Liberal”, assinala.
“Mais ainda — os partidos defensores de caminho oposto, em 2011 e em 2013, subscreveram e votaram a nova solução”, acrescenta.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, “quanto à evolução das posições partidárias, não é possível transformar o juízo subjacente à promulgação em escrutínio daquilo que vai sendo a conversão de discordâncias em voto favorável ou abstenção finais”.
O chefe de Estado argumenta também que, “quanto à análise, freguesia a freguesia, do rigor do cumprimento dos requisitos técnico-legais, é impossível no prazo da promulgação ou veto, aceder o Presidente da República a esse manancial de dados”.
“Não seria politicamente e, em especial, legalmente honesto, formular um juízo perentório, positivo ou negativo, sem conhecimento de dados necessariamente numerosos e complexos. Tudo em vinte dias”, defende.
Sobre “a da capacidade para aplicar as consequências do novo mapa já às eleições de setembro ou outubro deste ano”, argumenta que, “é verdade que o prazo que dista da eleição é superior a seis meses”, mas “a complexidade da instalação, e resolução dos problemas emergentes é variável de freguesias para freguesias desagregadas e pode ser mesmo, aqui e ali, muito complexo”.
“Por isso, e não por qualquer fetichismo de datas, em matérias como esta — e isso já aconteceu com matéria mais simples, em 2021 –, considerei desejável evitar alterações legislativas em ano eleitoral”, justifica.
Marcelo Rebelo de Sousa distingue este caso de alterações legais “apenas facilitar a mobilidade no voto” ou “paridade e voto em Braille”.
“Na reinstalação, que o mesmo é dizer, recriação de autarquia local, a minha preocupação com a concretização é maior. Razão esta, e única, para devolver o presente Decreto à Assembleia da República”, conclui.
O chefe de Estado ressalva que tomou esta decisão “não por questionar a vontade das populações, a legitimidade parlamentar para reversões, a começar nos partidos antes adeptos do revertido, nem por ter matéria de facto disponível para contradizer a aplicação dos requisitos técnico-legais das desagregações”.
“Apenas por imperativo de consciência quanto à capacidade para executar a nova lei, sem subsequentes questões de direito — ou de facto — patrimoniais, financeiras, administrativas ou outras, resultantes do tempo disponível”, contrapõe.
Marcelo Rebelo de Sousa recorreu hoje ao veto político pela 43.ª vez
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recorreu hoje ao veto político pela 43.ª vez, devolvendo ao parlamento o decreto que desagrega 135 uniões de freguesias, repondo 302 destas autarquias locais.
Este decreto, subscrito por PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN, foi aprovado em 17 de janeiro, com votos contra da IL e a abstenção do Chega.
Na chefia do Estado desde março de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa vetou maioritariamente legislação do parlamento, 34 decretos no total, incluindo o que foi hoje vetado.
Em perto de nove anos na chefia do Estado, recorreu 43 vezes ao veto político: três em 2016, duas em 2017, seis em 2018, cinco em 2019, seis em 2020, três em 2021, 11 em 2023, seis em 2024 e um neste ano.
Destes vetos, nove incidiram sobre diplomas do Governo e 34 sobre sobre legislação da Assembleia da República.
De acordo com a Constituição, perante um veto político, a Assembleia da República pode confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, 116 em 230, e nesse caso o Presidente da República terá de promulgar o diploma.
Um ano após a sua eleição nas presidenciais de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa definiu-se como um Presidente da República que não recorre ao Tribunal Constitucional como “uma espécie de defesa”, mas que exerce “sem complexo nenhum” o veto político, perante fortes divergências.
Até agora, submeteu oito diplomas para fiscalização preventiva e, na sequência de decisões do Tribunal Constitucional, vetou cinco decretos por inconstitucionalidades.