A coabitação de Marcelo e Costa, iniciada em 2016, poderia ultrapassar em longevidade a de Soares e Cavaco se a atual legislatura fosse até ao fim.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, trocam hoje cumprimentos de Natal no Palácio de Belém pela oitava e última vez, com o Governo em gestão e eleições anunciadas para 10 de março.
Há dois anos, quando o Governo lhe foi dar as boas festas, Marcelo Rebelo de Sousa contou que tinha estado “a investigar” quantas cerimónias destas tinha havido com os seus antecessores e realçou que a sua coabitação com António Costa já durava há seis natais, só sendo sido “ultrapassada” pela de Mário Soares e Aníbal Cavaco Silva.
Nesse Natal, o Presidente da República também tinha anunciado ao país a dissolução do parlamento, na sequência do chumbo do Orçamento do Estado, mas o Governo mantinha-se em plenas funções e o primeiro-ministro, António Costa, preparava-se para se apresentar às eleições legislativas antecipadas de 30 de janeiro de 2022 — enquanto agora está de saída, tendo já sido substituído como secretário-geral do PS por Pedro Nuno Santos.
Em 2021, António Costa disse a Marcelo Rebelo de Sousa que era “sempre um gosto” cumprir esta tradição e “um prazer” trabalhar com o Presidente: “É um prazer que assenta nesta experiência já duradoura, que mereceu, aliás, reconhecimento dos portugueses na sua reeleição este ano [nas presidenciais de 24 de janeiro de 2021]”.
Segundo o chefe do Governo, naqueles anos de convivência tinha havido “uma visão comum” sobre “o papel institucional dos diferentes órgãos de soberania, a garantia do escrupuloso respeito pelas instituições judiciárias, o entendimento do sentido de solidariedade institucional entre a Assembleia da República, o Presidente da República, o Governo”.
Ambos elogiaram o “esforço de unidade nacional” no combate à pandemia de covid-19.
Em dezembro de 2022, com novo quadro político de maioria absoluta do PS no parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou a sessão de cumprimentos de boas festas do Governo para pedir que se evitasse juntar “fatores de instabilidade” e “problemas adicionais” aos já existentes, e falou “dos preços de se exercer o poder político”.
“As eleições têm esse efeito, não é só o acesso ao poder e o exercício daquilo que é favorável do poder — que, aliás, quem o exercer descobre que é muito pouco –, é o pagar o preço do que é desfavorável no poder, e que é enormíssimo”, declarou.
O primeiro-ministro, por sua vez, considerou que o país vivia “tempos exigentes”, com elevada inflação, que exigiam do Presidente “aquilo que tem sido uma marca de relacionamento dos seus dois mandatos e da ação do Governo, que é a cooperação e a solidariedade institucional”.
“Nestes momentos o que temos de fazer todos é dar as mãos e seguir juntos lado a lado nos caminhos que temos pela frente”, defendeu.
A coabitação de Marcelo e Costa, iniciada em 2016, poderia ultrapassar em longevidade a de Soares e Cavaco se a atual legislatura fosse até ao fim, mas acabou encurtada, na sequência da demissão do primeiro-ministro, em 07 de novembro, por causa de uma investigação judicial.
O primeiro-ministro criticou publicamente o Presidente por decidir dissolver o parlamento e marcar legislativas antecipadas.
No primeiro Natal em que coincidiram nos cargos, em 2016, Costa prometeu dar sempre atenção à “palavra prudente e avisada” do Presidente, com quem anteviu um duradouro “bom relacionamento institucional”.
O chefe de Estado enquadrou a sua cooperação com aquele Governo minoritário, apoiado pelos partidos à esquerda no parlamento, como “decorrência natural da Constituição” e defendeu que todos os portugueses, “de qualquer quadrante”, deveriam estar felizes com a estabilidade, observando, ao mesmo tempo, que “não há nada de mais transitório do que o poder político”.
Em 2017, o primeiro-ministro salientou o “choque coletivo” causado pelos incêndios e considerou que a solidariedade entre Governo e Presidente se manteve de “forma irrepreensível”, nas horas boas e más. Marcelo sustentou que “o povo português deu sinais de que gostava” dessa solidariedade e da estabilidade política.
Em dezembro de 2018, Costa descreveu a legislatura que se encaminhava para o fim como de “normalidade institucional” nas relações entre órgãos do Estado, incluindo com a justiça. O Presidente saudou a estabilidade e apelou à defesa da democracia contra o “aventureirismo de realidades fora do sistema”.
No Natal de 2019, com António Costa à frente de novo Governo minoritário, Marcelo fez votos de estabilidade até ao fim do ano seguinte, em que seriam votados dois orçamentos. O primeiro-ministro enalteceu a “saudável convivência” com o Presidente.
Em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19, Marcelo apontou Portugal como “exemplo de cooperação institucional alargada”. Costa, por se encontrar em isolamento, apareceu através de um holograma e, em vésperas de eleições presidenciais, assegurou “cooperação leal e franca do Governo” a quem quer que viesse a ser eleito Presidente.