Augusto M. Seabra foi um dos fundadores do jornal Público.
O programador e crítico Augusto M. Seabra morreu na madrugada de hoje, em Lisboa, aos 69 anos, vítima de várias complicações prolongadas de saúde, disse à agência Lusa fonte próxima da família.
De acordo com a mesma fonte, o estado de saúde de M. Seabra, que foi um dos fundadores do jornal Público, agravou-se nas últimas semanas e encontrava-se “muito debilitado”.
Nascido a 09 de agosto de 1955, Augusto Manuel Seabra, formado em Sociologia, dedicou-se à crítica de música a partir de 1977 e também no cinema, tendo desenvolvido atividade em vários periódicos, nos quais foi colunista, além de se dedicar à programação.
Foi produtor executivo do Departamento de Programas Musicais da RTP e colaborador na conceção de espetáculos de teatro musical.
Crítico de artes com intervenção em várias outras áreas, Augusto M. Seabra “deixou marca indelével no espaço da crítica das artes em Portugal ao longo do último meio século, em particular da música e no cinema”, segundo uma nota biográfica inscrita no “site” da Cinemateca Portuguesa, entidade onde foi colaborador e à qual deixou a componente de cinema do seu espólio pessoal.
Para o diretor do Público, David Pontes, “a forma como o jornal surgiu, aquilo em que se tornou, deve imenso à alma irrequieta, inteligentíssima e imensamente culta que era Augusto M. Seabra”, recordando o nascimento do periódico, em 1989/1990.
“É em momentos destes, quando desaparece um gigante do pensamento como ele, que melhor nos apercebemos da diferença que ele fez, e como na cultura e no jornalismo tanta falta nos faz gente da sua estatura”, reagiu o jornalista, numa declaração à Lusa.
Em 2021, Augusto M. Seabra doou o acervo pessoal, entre livros, discos, DVD, periódicos, e outros documentos, a sete entidades públicas, além da Cinemateca Portuguesa, também a Universidade do Porto, a Rede de Bibliotecas de Lisboa, a Biblioteca Nacional de Portugal e a biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
A Escola Superior de Música de Lisboa, a Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, e a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto também foram beneficiárias desta doação do programador.
M. Seabra escreveu com regularidade desde o final dos anos 1970 para jornais como A Luta e o semanário Expresso, tendo ainda participado como júri de vários festivais internacionais de cinema, nomeadamente de Cannes e de San Sebastian, de Turim, Salónica e Taipé.
Foi programador do festival DocLisboa e consultor do Script Fund, do antigo programa Media da União Europeia.
Com José Nascimento, Augusto M. Seabra assinou o documentário “Manoel de Oliveira: 50 Anos de Carreira”, abordagem pioneira do trabalho do cineasta, datada de 1981.
“Os seus textos ultrapassaram em muito o domínio estrito da análise de obras ou espetáculos, transformando-se em reflexões continuadas sobre o papel das instituições e da política cultural no nosso país”, escreveu a Cinemateca.
A lista de melhores filmes de sempre que submeteu à Cinemateca Britânica, em 2012, atravessava um século de cinema, desde “Intolerância”, de D. W. Griffith, a “História(s) do Cinema”, de Godard, e “La Jetée”, de Chris Marker, passando por Ozu, com “Viagem a Tóquio”, e Hitchcock, com “A Mulher que Viveu Duas Vezes”.
“Pensando vezes e vezes sem conta sobre a minha lista, parece-me quase vergonhoso não incluir um título de realizadores que admiro — como Sjöström, Murnau, Lang, Dreyer, Vertov, Dovjenko, Keaton, Chaplin, Hawks, Ford, Welles, Mizoguchi, Kurosawa, Ghatak, Powell, Rosselini, Bresson, Antonioni, Bergman, Tati, Munk, Rivette, Oshima, Straub, Tarkovski, Paradjanov, Schroeter, Syberberg, Duras, Oliveira, Angelopoulos, Cronenberg, Lynch, Kiarostami –, não ter um musical ou um Western, ou não ter escolhas profundamente pessoais como “Carta de uma Desconhecida” (Ophüls), “O Fantasma Apaixonado” (Mankiewicz), “Quando o Rio se Enfurece” (Kazan), “O Espírito da Colmeia” (Erice) e outros”, escreveu Seabra na altura.
O crítico acrescentou, que entre o mais antigo filme da lista e o mais recente, eram sugeridas obras que acreditava deverem ser “absolutamente consideradas para tentar entender o cinema como uma forma de arte, uma que representa um esforço mundial e os poderes da imaginação estética”.
No exercício da crítica, em anos recentes, Augusto M. Seabra chegou a ser processado em tribunal e absolvido em 2007, por ter chamado “energúmeno” a Rui Rio, então presidente da câmara do Porto, devido a uma polémica em torno da Casa da Música.
Em 2016, o então ministro da Cultura João Soares prometeu-lhe “salutares bofetadas” – a Augusto M. Seabra e também a Vasco Pulido Valente – por artigos de opinião com críticas à linha de ação política da cultura. João Soares apresentaria a demissão do cargo dias depois da polémica.